quarta-feira, 29 de julho de 2015

Dia das namoradas e o anticapitalismo

A gente é anticapitalista, né. E a gente vê que dia dos namorados é bem consumo, propaganda pra gastar dinheiro e mais uma mercantilização do amor. Quase como natal, dia das mães, páscoa. Ao meu ver, no entanto, menos, eu associo dia dxs namoradxs a consumo, mas não vejo a ligação tão forte com religião.
A crítica ao consumismo é necessária e nunca já foi ultrapassada (se tivesse sido, a gte tava aí livre disso). Mas eu quero fazer tb a ponderacao de que a gente tem que localizar as críticas pra não ser nada mto duro. Aprendi com uma amiga (brigada, Lailinha) que a gte tem q ter delicadeza pra lidar com os afetos. Eu, por exemplo, nasci e fui criada num regime estrito religioso (meu pai e minha mãe eram testemunhas de Jeová - ela ainda é). A gte nunca pôde comemorar nada: natal, Páscoa, dia das mães, das crianças, aniversário. Só o aniversário de casamento delxs. É isso foi mega pesado pra mim. Ainda é. Nunca faltou festa e presente - então a questão pra mim nunca foi de ficar bolada pq associava as festas ao momento de ganhar presente.
A questão sempre foi - e é - o simbolismo, o ritual de ficar junto. Eu não podia brincar de amigo oculto no fim de ano, pq era como se fosse natal. Não podia ganhar chocolate na escola na Páscoa e nem doce de Cosme e Damião (desse eu ainda hj não consigo mto me aproximar). Não podia ir em festa de aniversário dos colegas/amigos de escola/colégio fora e nem participar quando era dentro. Eu ficava no pátio com as tias da cantina. Isso não é pouca coisa. Isso envolveu eu não conseguir me aproximar da galera da escola e do colégio pq eu era a criança ou a adolescente estranha (além de todo bullying q rolava na adolescência). Eu lembro total que eu tinha um melhor amigo no clube, pq eu joguei vôlei dos 11 aos 17 e meus amigos eram de lá. Eu tinha esse melhor amigo que a gente se via todo dia quase e passava o dia juntos jogando vôlei e papeando. Mas quando ele fez acho que 16 anos e a gente já era best, eu não tinha "motivo" pra não ir, não fui por causa da religião. E as pessoas acharam que eu não fui pq eu era a fim dele e ele lá ficou com uma menina - eu nem pensava em sexo, mto menos com ele, q era um irmão. Mas aí, né... Que merda de história e adolescente é idiota mesmo, a gte se afastou. Pq eu tb não me sentia à vontade mais de falar q não fui pq não podia ir, era religião.
E daí, o que isso tem a ver com tudo? Tem a ver que por causa dessas coisas eu tenho hj (1) um pavor enorme de ser deixada "de fora" das coisas; (2) um apego grande a datas. Eu me preparo para datas e geralmente procuro fazer uma comemoração (desnatal, melhor coisa).
E apesar de eu não estar nem aí pro consumo do dia das namoradas, é uma data que me lembra carinho e afetividade. E eu acho carinho e afetividade a coisa mais fofa do mundo. Então só queria dizer que: não tratem as datas com tanta dureza e nem com tanta leviandade. Elas não têm sempre os mesmos significados pra todas as pessoas.
**Na vdd, acho que eu queria mais era falar disso do que sei lá. Enfim, pra quem vai celebrar hj, divirtam-se e amem sempre. Aceitem o amor que recebem tb, isso nem sempre é fácil, mas é necessário.
Aceitar o amor não no sentido de aceitar migalhas, mas de aceitar quando uma pessoa te ama, mesmo q vc no fundo ache q não mereça ou tenha dificuldade em reconhecer aquele amor pela forma diferente da sua que ele é apresentado.

Originalmente publicado em: https://www.facebook.com/heloisamelino/posts/10204328670607411

Coração não é banco de metrô

A gente aprende a vida toda que ninguém é insubstituível. É mentira. Ninguém é substituível. 
Nenhuma pessoa que passou na minha vida é substituível por ninguém, nem as pessoas com quem tive rupturas traumáticas. As pessoas ocupam espaços diferentes, o coração não é que nem banco de metrô, que quando levanta uma pessoa senta outra. 
Fico imaginando se os "espaços" a serem ocupados no coração são findáveis.. ou se é uma parada tipo "meia-vida", que nunca acaba, mas diminui a cada corte. Ou, ainda, se é uma parada que não acaba e nem diminui. 
Não sei o que é e nem sei o que eu quero ou espero que seja.

Publicado originalmente em: https://www.facebook.com/heloisamelino/posts/10204517663212108

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Amores de vidas inteiras

Em tempos de muito ódio circulando, eu quero falar um pouco sobre o amor. Porque eu acho que tá faltando falar do amor. E o amor renova a gente, o amor tira a gente da cama com vontade de viver e de lutar por dias melhores que virão. Eu escrevi um texto sobre o amor faz um tempo. Não sei por que, ainda não publiquei. Talvez estivesse faltando chegar o momento de hoje.

Tava conversando esses dias com uma amiga sobre acreditar no amor que vai durar até o fim da vida. Aquela historia de planejar vida juntes, envelhecer juntes, programar viagens, até mesmo mudanças. Na verdade eu andei falando sobre esse assunto com mais de uma pessoa. Acho que esse tema é recorrente e bem presente nas nossas vidas, muitos papos giram em torno ou tocam nesse assunto.
E essa amiga falou que acredita nisso com uma pessoa muito especial.

Eu falei pra essa amiga que eu acredito e quero isso pra mim, planejar vida, envelhecer junto. Mas que ao mesmo tempo que eu quero isso, eu entendo que sou "vítima do amor romântico" e que, bem, a grande maioria das pessoas também é. E problematizando isso, olhando pra dinâmica das relações sociais e trazendo pra minha vida pessoal ("cada uma sabe a dor e a delícia de ser o que é"), bem, trazendo isso pras minhas experiências de vida, eu quero isso e acho que isso é muito possível. Com amigues.

Eu assisti Grey's Anatomy até a 9a temporada - parei de ver pq haja choradeira! A personagem que dá nome à série tem uma baita amizade com uma mulher que é distante com a grande maioria de pessoas, mas não com a Grey e ambas são heterossexuais, casadas e monogâmicas, mas tratam uma à outra de "my person" ("minha pessoa"). É bem esse conceito da ~metade da laranja~.

Eu posso nomear talvez 2 ou 3 amigues com quem eu hoje acho que vou envelhecer junto. E não são todes amigues de infância. Um é, apesar de não sermos amigues desde a infância. E daí me fez pensar nisso também.. Talvez a falta ou escassez de amigues de infância seja pq a gte cresce e fica diferente. Principalmente quem não é heterossexual e/ou não é cisgênere, quem é feminista, sei lá, quem tem uma vida não-normativa ou quem faz de sua vida pessoal uma prática política. E não necessariamente as pessoas da nossa infância seguem o nosso mesmo caminho, o que pode nos distanciar. Alguns distanciamentos são transponíveis pelo amor - quando há respeito mútuo; mas alguns distanciamentos são.. irreversíveis. Existem diferenças que são inconciliáveis.

Com a construção da identidade na vida jovem e adulta a gente vai topando com pessoas que pensam parecido com a gente, que têm histórias de vida semelhantes, com quem temos convergência política e são essas pessoas com quem a gte acaba construindo e ressignificando nossas próprias identidades (geralmente esse processo é multi-lateral e retroalimentado, então tanto a gte qto as pessoas com as quais a gte se cerca, todes nós vamos mudando e nos acompanhando. Com o passar do tempo, nenhume de nós continua e mesme, o que continua é a vontade de estar juntes, de construir juntes.

Eu gosto de namorar, gosto de me apaixonar, eu gosto de ficar boba. Eu acredito no amor romântico problematizado, politizado e nos acordos que sejam respeitados. Pra mim monogamia ou não-monogamia são opções igualmente boas e negociáveis, cada relacionamento tem suas necessidades e, como diz uma pessoa querida, a gte precisa ter delicadeza pra se relacionar com as pessoas. E se eu quero ter uma relação romântica-afetiva-sexual com alguém até a velhice? Não sei dizer. Mas acho que aquelas pessoas, a quem vou chamar de "amigues de juventude" (no meu caso, pq é a fase de vida mais próxima) são as pessoas com quem a gente vai envelhecer.

Me vejo no futuro jogando xadrez na pracinha e alimentando os pombos - falando mal da vida de alguém, ctz. E se eu pudesse prever com quem seria, minha aposta é de que seria algume dessxs amigues relativamente recentes e tenho certeza de que um dos nossos papos recorrentes seria pegação, pq FATO que vamos ser velhinhes saçariqueires.

Publicado originalmente em: https://www.facebook.com/heloisamelino/posts/10204445554769442

terça-feira, 2 de junho de 2015

Dia internacional de luta das prostitutas

As prostitutas que conheci/conheço são putas. Puta professoras, puta feministas, puta militantes e ativistas. Com elas aprendi muitas coisas - coisas que a universidade não me ensinou. Dentre as coisas mais importantes que aprendi, aprendi novas linguagens, novas formas de ativismo, aprendi força, garra, aprendi coragem, ousadia, aprendi libertação, aprendi festividade, aprendi a gargalhar com coisas que eu não conseguia, aprendi que tenho comer muito arroz com feijão e açaí pra se um dia quiser ter a disposição que tem Indianara Alves Siqueira​, Monique Prada​, Amara Moira​ e outras mulheres cis e trans que tive o privilégio de conhecer.

No dia 02 de junho de 1975 a luta de prostitutas francesas contra a criminalização de sua atividade profissional marcou o calendário ocidental como um dia de lutas. E hoje marcamos 40 anos desse dia. Ainda tamos aí com muitas limitações em todo canto - na direita conservadora religiosa, na esquerda conservadora e moralista e até em feminismos excludentes.

Dizem que as feministas não podem ser feministas, que o que elas fazem só serve para alimentar uma sociedade patriarcal e de exploração das mulheres. A elas Gabriela Leite​ respondeu certa vez: "Eu não posso ser feminista porque sou prostituta? Pois eu sou uma PUTA feminista!!".
Indianara e Monique Prada arrebatam: "E se nós desaparecêssemos? Se todas as mulheres que fazem programa desaparecerem, o patriarcado desaparece junto? Não."

Os programas do Governo querem falar em saúde das prostitutas só falando em HIV/AIDS, mas como certa vez disse Gabriela, "o único financiamento que sempre nos deram foi pra AIDS e nós não queremos isso. Porque prostituta é mulher e não têm doença só da cintura pra baixo. Saúde da mulher é saúde da mulher. [...]O dia que se pensar na mulher como mulher, nós voltamos a conversar."

As redes de prostituas hoje levam a pauta da Regulamentação da Prostituição. E ô! Como elas incomodam. Incomodam porque acham que prostituição só pode ser exploração e que as prostitutas precisam é ser salvas. Sobre o projeto, Monique é direta: "A regulamentação da prostituição nos tira de debaixo do tapete".

Indianara, sempre muito incisiva em seus posicionamentos, responde às críticas: "E assim, sinceramente? Nós putas não temos culpa de porra nenhuma da exploração da mulher na sociedade patriarcal e machista. A culpa é da sociedade patriarcal e machista. E se as putas existirem ou deixarem de existir, as mulheres vão continuar sendo exploradas. Não quer dizer que se as putas forem regulamentadas ou não forem regulamentadas as mulheres vão ser mais ou menos exploradas. Não vejo dessa maneira. É uma arrogância achar que sabem o que é melhor para a gente. Nós da Rede Brasileira de Prostitutas é que nos reunimos e decidimos que a regulamentação pra nós é MENOS exploração. 'Ah, mas está regulamentando o cafetão'. Não estamos regulamentando o cafetão. O que estamos regulamentando são justamente espaços que nós trabalhamos, com as pessoas que mantém esses espaços e nós, por estarmos ali, essas pessoas são consideradas como facilitadores de prostituição, como exploração sexual de pessoas e essas pessoas são presas por uma lei justamente retrógrada, antiquada, que diz que você pode ser prostituta, mas não pode se prostituir num local seguro. Tem que se prostituir na rua, exposta a uma polícia agressora, uma polícia que está aí e que foi formada e continua sendo formada pra lutar contra a regulamentação.  [...] A polícia militar foi treinada na ditadura pra combater pessoas que lutavam por seus direitos e ela vai continuar combatendo quem luta por seus direitos"

Ahhh a "regulamentação do cafetão" - como se atrizes, atores, ginastas olímpicos, lutadoras e lutadores de MMA, boxe ou judô não tivessem agentes intermediários ou não usassem do próprio corpo para trabalhar: "As casas precisam existir – sem elas, muita gente não ia conseguir trabalhar. Mas da maneira que elas existem hoje, não são boas para quem trabalha. O projeto de regulamentação fixa que 50% da renda do programa fica com a garota. Acho uma boa medida. Com a regulamentação, a menina poderá cobrar o que a casa lhe deve. Hoje, se a casa não quiser pagar nem um real no final da semana, a pessoa não recebe. A garota não tem a quem recorrer." diz Monique.
Isabel* (nome fictício), sobre o mesmo tema fala "A PL vai dar garantia da gente de poder trabalhar, de ter um local seguro. As mulheres também que não têm condição de alugar um lugar, de ir trabalhar com outras pessoas, que têm o direito de ter de 1 a 50%, que vai ser acordado entre ambas as partes. Vai nos empoderar bastante e diminuir bastante a violência contra as prostitutas. [...]
A polícia tem q ter o papel fundamental de nos defender e não de nos agredir. Hoje o maior violador dos direitos das prostitutas é a polícia e o Estado, não o cafetão. [...] O empresário também tem q ter o direito dele garantido. Ele vai manter a casa pra gente trabalhar e não vai lucrar nada? Tem que ter a lei pras duas partes.
A gente como prostituta tem que ter segurança da polícia - a polícia hoje não nos protege, a polícia só entra pra bater, estuprar, roubar e prender. E o dono de estabelecimento também tem q ter a segurança de que vai ter o local dele de trabalho. [...] Uma cabeleireira tem direito de ter segurança, o dono da farmácia tem direito de ter segurança, o advogado tem direito de ter segurança. Por que a prostituta não pode ter segurança? Porque quem faz a nossa segurança é dado como miliciano. Isso é errado. A gente tem que ter segurança como qualquer trabalhador."

"como qualquer trabalhador" - e veja lá se essa sociedade hipocritamente moralista quer encarar a clandestinidade que o estigma da prostituição causa. O problema tá em que? Em elas também quererem algo parecido com uma CLT? Ou em quem pode dizer o que é melhor para as prostitutas? São as pessoas da universidade, as mulheres e homens que não se prostituem ou são as próprias prostitutas que falam por si e não podem ter suas vozes silenciadas?  Indianara Sophia Fênix​ responde sobre o Projeto: "Fomos nós, da Rede Brasileira de Prostitutas quem decidimos que a regulamentação da prostituição tem que ser dessa maneira. Então as pessoas que não são prostitutas, que simplesmente se calem e aceitem. Podem debater o assunto, mas aceitem o que pessoas organizadas, o que prostitutas decidiram, se não é desqualificar essas pessoas e dizer que elas não são capazes de decidir por elas mesmas."

E quem não se prostitui? "Como apoiar o movimento de prostituição? Eu acho que é tentando ver a prostituição de uma forma mais leve e dentro da sociedade. Dentro de parâmetros metodológicos, filosóficos que dizem respeito à nossa sociedade e sexualidade. Ver todo sentido do corpo, o que pensamos sobre nosso corpo. O que é proibido e o que não é proibido. Porque existem coisas proibidas no nosso corpo. Por isso tanta questão com a prostituição. Tudo que diz respeito à sexualidade é proibido, de discutir e tudo mais. Então, se todo mundo começar, individualmente, a repensar a sua visão, ajuda não só a nós no Brasil, mas a todo mundo na prostituição e fora da prostituição."

AUTONOMIA SOBRE O PRÓPRIO CORPO - não é disso que a gente fala quando fala de combate à cultura de estupro, de descriminalização do aborto, de antiproibicionismo, de liberdade de orientação sexual, do reconhecimento da identidade de pessoas trans?!

Eu só tenho a dizer a essas mulheres corajosas e incríveis: MUITO OBRIGADA por me darem a oportunidade de aprender vida com vocês. Vocês são incríveis <3

OBS: Todas as falas vêm de entrevistas a jornais, revistas, canais do youtube, palestras, conferências. Se alguém quiser os links pra conhecer mais o que essas mulheres se dispuseram a nos ensinar, podem me pedir os links ou seguir os perfis das moças que marquei durante o texto e seus blogs:
Indianara Siqueira: https://www.facebook.com/indianara.siqueira?fref=ts
Monique Prada: http://acortesamoderna.com.br/
Amara Moira: http://www.eseeufosseputa.com.br/
Um pouco sobre Gabriela Leite pode ser conhecido via Um beijo para Gabriela: https://www.facebook.com/pages/Um-Beijo-para-Gabriela/344616068946147?fref=ts
Você também pode acompanhar o Observatório da Prostituição: https://www.facebook.com/observatoriodaprostituicao?fref=ts

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Quanto custa ou é por quilo?

Dia 19 de janeiro. Tenho um trabalho pra entregar dia 21 é uma dissertação pra concluir (antes disso, pra começar) e entregar antes de abril. Regime semi-aberto em prisão domiciliar para estudos.
Passei o dia em casa estudando, lendo, fazendo fichamento, buscando relaxar nos intervalos. Desci as 21:45 pro mercado, que fica na mesma galeria que meu prédio, o mercado fecha às 22:00. Eu queria comprar uma pizza pra comer quando desse fome. 

Escolhi a menos ruim - não têm vendido mais a marca que eu gosto - e fui pra fila de caixa exclusivo pra cinco itens. Tinha mais três pessoas na minha frente. Atrás de mim chega uma senhorinha bem idosa, com um saco de arroz e um de feijão na mão, perguntando se a fila tava muito longa, eu disse que não. Ela vê a fila ao lado, a caixa está dando o troco pra um rapaz e atras dele, a próxima pessoa é uma moça, que tem por volta dos 36, 40 anos. Jovem. A senhorinha pergunta se pode passar, a moça, que tem o carrinho cheio, faz que não ouviu. A senhorinha passa pra fila seguinte, que tem cerca de 3 ou 4 pessoas também, todos idosos. O caixa em que a moça de seus trinta e tantos anos estava era preferencial pra idosos, eu vou até a moça e falo pra ela em tom tranquilo: esse caixa é preferencial - aponto a placa - e essa senhora só tem dois itens e parece bem cansada, será que ela pode passar? A moça fica brava, mas parece sem jeito de dizer que não e deixa. Enquanto eu vou buscar a senhorinha, que a essa altura estava escorada na pilastra da fila seguinte, ela pergunta pra funcionária do caixa se a fila 2 é preferencial, vira-se pra mim e diz: tá vendo? Ela disse que essa fila aqui não é preferencial, só a três, mas eu vou deixar passar pq não tenho nada a ver com isso. Eu agradeço e volto pra minha fila, a 1. 
Uma senhora da minha frente contesta baixo comigo: a 2 é preferencial, sim. Sempre foi, eu venho sempre aqui. Eu consinto, também sei que é. 
Chega um cara grande, forte, sem camisa e com cara de mau humorado, também com cerca de quarenta anos, pra se juntar à moça dos trinta e tantos. Vejo que cochicham algo e ele me olha bravo. Ignoro, nem olho de volta. Mas penso em saber se eu estava certa ou errada em apontar o caixa 2 como preferencial e procuro a gerente do mercado pra saber qual caixa é preferencial:
- O 2 e o 3.
- Olha, acho que seria bom conversar com a funcionária sobre isso, porque acho que ela não tá sabendo e a placa realmente é confusa. Uma senhorinha tentou passar ali, tinha uma moça jovem e a caixa disse que não era preferencial.
- Ah, claro, vamos ali conversar com ela então. 
Fomos. O casal terminava de passar as compras deles. Quando a gerente se aproxima e fala com a funcionária do caixa, a moça que comprava se vira pra mim irritada:
- Você ainda tá nessa? Já deixei passar, ela já foi embora. Que saco!
- Olha, não é com você. Você, por acaso deixou, mas a funcionaria passou a informação errada porque não parece saber.
- Que saco, pq vc não cuida da sua vida, hein? Já foi, já passou! Ela respondeu bem mais irritada.
- Já falei que não foi com voce. E você, ainda que tivesse numa fila normal, ainda quase recusou que uma senhora passasse na frente, o mínimo que se espera quando se chega a uma idade como a dela deve ser respeito.
- AH QUER SABER??? VAI TOMAR NO CU!!! - gritou a mulher, ao que o acompanhante dela gritou também que eu fosse tomar no cu
- Vou, sim, porque eu gosto bastante. - respondi calma - e acho que vocês deviam experimentar também pq é muito bom. Ainda por cima acalma e vocês parecem precisar se acalmar. 
- AHHH VÁ PRO INFERNO!!
- Que inferno o que? inferno deve ser a sua vida pra você estar criando essa confusão por causa de uma parada tao pequena dessa! - e fui andando embora, mas ouvi o cara pra mulher falando que ela tinha logo que virar a mão em mim que eu parava de graça, me enfiar logo a porrada. 
A mulher respondeu que não faria isso, pq ainda por cima ia acabar em polícia e ele ficou instigando. O mercado inteiro já olhava e eu estava virada de volta pra eles, pois não queria ser surpreendida com um puxão de cabelo ou um soco na nuca do nada e quis mostrar que eu estava atenta:
- Claro que daria polícia. Tá maluco?Acha o que? Que eu tenho medo? Sai fora! - O cara se virou crescendo na minha direção:
- Se liga que se não te encho de facada!!
- Ah me enche de facada? - o cara era realmente muito grande - E você é machão assim só com mulher pequena ou sabe ser machão com homem grande também? - ele veio correndo na minha direção, eu fiquei encarando morrendo de medo, claro.
- VAI, CHAMA SEU MARIDO QUE EU ACABO COM ELE!! - continuei encarando e falei firme:
- E eu lá tenho cara de mulher que precisa de marido pra me defender? - me voltei pros seguranças do mercado e falei - Olha, esse cara tá aqui me ameaçando publicamente de me esfaquear. E aí? (Pq se fosse uma criança negra pequena roubando algo do mercado, os caras davam logo uma chave de braço e chamavam a polícia, mas como era um homem grande, forte, sem camisa e provavelmente perigoso ameaçando uma mulher, os caras tavam inertes)
Até que um segurança, sem uniforme, se levantou do banco em que estava sentado e gritou grosso:
- Aqui dentro da loja não vai ter confusão nenhuma não. E se você insistir muito, vou te levar la pra fora e acabar com a sua raça - e levantou a camisa pra mostrar que tava armado. 
O cara encarou, saiu do mercado, chamou esse pra fora, ele ia. Eu segurei e falei baixo que eu era advogada e que se ele fosse eu ia ter que ir junto e que não valia a pena estragar a noite e sabe-se lá, a vida, por causa de um merda daqueles. 
O casal porradeiro foi embora xingando. A mulher quieta, o homem gritando que era o cachorrão e que todo mundo conhecia ele, o mercado parado olhava estarrecido, as pessoas do lado de fora idem. Eu entrei na minha portaria, que é a 5 passos de distância da saída do mercado, aonde tudo aconteceu, expliquei pro porteiro é pra quem tava dentro o que tinha acontecido.

E o ~Cachorrão~ instigou a esposa/companheira a me enfiar a porrada, ameaçou me esfaquear e se sujeitou a tomar um tiro por causa de: um saco de arroz e um saco de feijão. Qual é o preço que tem a vida das pessoas?