quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Que tipo de amor você quer?

Sobre pessoas oprimidas que também podem ser opressoras, sobre a necessidade de combate aos privilégios na sociedade e de auto-questionamento. Eu fiz esse post num grupo de discussões do qual participo. Um grupo de pessoas LGBT em que está havendo uma onda de reclamação por conta do que quem reclama chama de "politização do grupo" - o que é, na verdade, o combate às opressões.
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Vamos falar de política e de gêneros, de feminismos, de combate às opressões. Abertamente.
A grande maioria de nós vem de famílias conservadoras, cis-heteronormativas, aonde o machismo é perpetuado, reforçado e atualizado. Não bastasse isso, quando somos inseridxs na escola, desde a creche, maternal, essa escola também é conservadora e também reforça todas essas normas em que a cisgeneridade é compulsória (cisnormatividade) e a heterossexualidade é presumida (heteronormatividade) e lá também aprendemos a atualizar o machismo, o racismo, o preconceito de classe, de origem, de corpos não-normativos.
Não pensem que isso é ser DESpolitizado. Não é. É ser politicamente alinhado à supremacia branca, à hegemonia cishetero e à dominação masculina.
Todas essas ideologias vêm sendo produzidas, reforçadas e atualizadas há séculos e com muito derramamento de sangue - vide as bruxas queimadas na inquisição, os povos assassinados pelas cruzadas, a escravização dos povos do continente africano, os brutais assassinatos de pessoas trans e de pessoas não-heterossexuais. Mas essas são as formas fáceis de apontar a dominação dessa ideologia dominante. A dominação também vem no discurso de ~humor~, também vem na mídia, nas propagandas, nos outdoores em que sempre vemos: pessoas felizes brancas, cis, heterossexuais, magras e sem deficiência física.
Isso que aprendemos em casa, nas escolas, na universidade, no dia a dia brincando no play, na televisão, nas revistas, nos jornais, na novela, no "sexo e as nêga": isso TUDO é POLÍTICA de dominação e normatividade.
- Quem domina? Homens, cisgêneros (nasceu com pênis, foi assinalado ao nascimento como homem e se identifica como homem), brancos, heterossexuais, ocidentais, cristãos e detentores de propriedade.
- Quem é dominadx? Quem deixa de ter qualquer uma das características acima.
Tendo isso em mente, um homem cisgênero branco gay (que é a maioria das pessoas que está reclamando da politização dos debates) é alvo de dominação por não ser heterossexual, mas é potencial dominador/explorador/opressor a todas as pessoas que são negras, às mulheres, às pessoas trans, às pessoas que não são de cultura com marco ocidental, etc.
Nosso histórico fala por nós. Por sermos fruto dessa sociedade, todxs reproduzimos machismo, racismo, transfobia, homofobia. E para nós não estarmos do lado dominador das equações, o combate a essas opressões tem que ser diário. E não tô falando de parar o policial na rua quando ele tiver abordando um negro e meter o dedo na cara dele (apesar de achar que isso tb é nosso papel), to falando de combater diariamente os preconceitos que alimentamos dentro de nós mesmxs. É um exercício de auto-questionamento, auto-avaliação e atualização de si.
Como fazer isso, já que a sociedade escrotamente nos moldou? Ouvindo as mulheres falando sobre machismo, ouvindo as pessoas trans falando sobre transfobia, ouvindo as pessoas negras falando sobre racismo. Pode ser lendo blogs escritos por essas pessoas sobre esses assuntos, pode ser lendo livros de autoras negras, por ex, sobre feminismo negro, pode ser participando de rodas de conversa, mesas de debate e pode até ser PERGUNTANDO e pedindo explicação pelo facebook a pessoas que a gente veja que já tenham alguma inserção nesses debates. E uma pergunta não é uma acusação de grosseria, uma pergunta não é uma cobrança de explicação/convencimento, uma pergunta não pode ser uma pedra atirada que espera uma resposta em pétalas de rosas. Uma pergunta deve ser educada, deve ser gentil e deve se contentar com a(s) resposta(s) que a(s) pessoa(s) que vivencia aquilo sobre o que perguntamos fala. Quando vc pergunta algo e responde "Não me convenceu", vc está exigindo que a pessoa traga mais argumentos e está sendo arrogante porque está pressupondo que aquela pessoa QUER te convencer. Quando não quer. A pessoa tá te fazendo a gentileza de responder uma pergunta. Não se deu por convencidx? Peça a indicação de um blog, de um vídeo, de um artigo, peça a indicação de aonde vc pode ir para participar de uma roda de conversa sobre o tema.
Rodas de conversa, mesas de debate, palestras, seminários são a minha preferência de formação. Ultimamente eu ando muito afetada pelo racismo que vejo nos movimentos de esquerda - e até mesmo nos feminismos - e por isso tenho procurado me aproximar do debate que fazem as mulheres negras e as feministas negras. Como eu faço essa aproximação? Bem, eu conheço algumas mulheres negras feministas e pedi/peço a elas sempre que me indiquem autoras ou pergunto se têm artigos a me recomendar. Fico atenta às rodas de conversa - semana passada mesmo eu estive no Cine-Clube do Coletivo de Mulheres da UFRJ que o tema foi mulheres lésbicas e negras e ontem (dia 26) eu estive na roda de conversa sobre feminismo negro no Brasil, construída pelo Coletivo Olga Benário. E quando eu estou nesses espaços, eu sou atenta ao que ouço, eu coloco minhas dúvidas e, ao final, eu me aproximo das pessoas de cuja fala eu gostei e peço mais referências.
Dá trabalho? Claro que dá. Ontem, por exemplo, choveu e foi uó chegar na PV. Mas eu não quero ser mais uma mulher feminista branca racista, eu quero estar efetivamente ao lado das mulheres que estão ao meu lado na luta contra uma sociedade de desigualdades, eu quero desconstruir meu próprio racismo, eu quero combater o racismo na sociedade, porque entendo que TEMOS QUE SER TRATADAS DE FORMA IGUAL pelo simples fato de sermos todas humanas.
E é assim que uma pessoa que quer uma sociedade melhor para si age: buscando entender porque a sociedade não é boa para as pessoas a volta dela e buscando uma sociedade melhor para todas e todos. Queremos amor? Sim, queremos amor. Somos amorosxs. Queremos zuera? Sim, queremos zuera. Somos zuerxs. Mas eu não quero uma zoeira que seja ok pra mim, mas que massacre minhas companheiras negras ou que esculache meus companheiros viados afeminados, eu não quero uma zoeira e nem um amor que para acontecer precise reforçar práticas que há séculos vêm derramando sangue. Pq não falar de um assunto é deixar que ele se perpetue e eu não quero que haja perpetuação de racismo, de machismo, de transfobia, de preconceito de classe e de imperialismo.
E você, que tipo de amor você quer?
PS: O post é gigante. Quem leu, desculpe, cês me conhecem, eu falo demais. É tão gigante que nem eu quis revisar.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Salve a polícia militar e os homens de bem!

Chego ao Centro Cultural da Justiça Federal e me deparo com a cena de 10 crianças negras sentadas no chão tomando dura da polícia. Paro ao lado, escuto e converso com os policiais para saber o que está havendo, qual o fato típico.
- Você viu a reportagem da Globo? A polícia tá instruída a remover todos os menores andando sozinhos no centro pra abrigo.
- Todos?
- Todos.
- Vamos dar uma volta na Cinelândia, então, pra ver quantos menores têm andando sozinhos?
- Não são toooodos. Só os que tão desacompanhados e andando em bando.
- Hmm os negros que estiverem em grupo.
- Negro, branco, qq cor. A senhora tá vendo só negr.. - Ele mesmo se interrompe quando olha pro grupo de crianças.
- To vendo só negro sim. É só pobre. Vc acha coincidência?
- A senhora viu a reportagem da Globo?
- Meu senhor, além de cidadã interessada eu to te perguntando pq sou advogada. E não assisto a Globo, mas conheço a lei. A polícia só pode agir de acordo com a Lei. E a presunção legal é de inocência. E a liberdade é de circulação.
- Não, mas no Centro eles não podem andar não.
- Vc tá me dizendo que crianças negras e pobres que andam em grupo não têm acesso à cidade delas? Não têm direito à cidade? Oficial, isso não está em nenhuma legislação. Se o senhor flagrou algum delito, conduz quem cometeu à DP, mas tem a obrigação de soltar as demais crianças.
- A senhora fala então, com o responsável da operação, que eu só to obedecendo ordens.
Fui e o responsável pela operação, Capitão Ricardo Vidal, do 5ºBPM me ignorou e só avisou que as crianças seriam levadas pra DPCA.
Durante esse diálogo todo, uma multidão de cidadãos "de bem" atrás de mim xingava. A mim. Não à polícia. Que eu só tava ali pq não tinha sido assaltada. Que se eu tava com pena, levasse pra casa. Que tinha espaço no camburão e que eu fosse junto.
Irada, me voltei a eles (homens, todos) e falei que eles não tinham nada a ver com isso, que eu faço o que quiser e ajo como quiser e foda-se o que eles pensam. E saí.
Um cara mais inflamado veio na minha direção me interpelar, um segundo veio me segurar pelo braço. Eu me voltei e mandei me soltar e tirei o braço. Já tava na escada do CCJF e ele veio atrás de mim pra me segurar e continuar me afrontando com violência. Eu mandei ele me largar aos gritos e ele continuou vindo na minha direção até que o segurança do CCJF se colocou entre a gente. O cara? Ficou do lado de fora gritando que eu era piranha e que queria ver eu ser corajosa de mandar ele à merda do lado de fora !- rua.
Um salve aos cidadãos de bem. Um salve à Polícia Militar inconstitucional do Brasil.

**Original em: https://www.facebook.com/heloisamelino/posts/10203068480863455?pnref=story