quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Famílias e multidões LGBT

Eu tenho um sobrinho, por quem (vcs talvez já tenham percebido) eu sou perdidamente apaixonada. E eu não sou a única que é apaixonada pelo Guilherme. Ele é uma unanimidade lá em casa. Minha irmã, a mãe, é perdida de amores, minha mãe e até meu pai, que é durão pra caramba fica todo bobo quando vê o Guilherme. E eu sei que não é toda criança que é amada como ele e querida como ele, sei que muita mulher que pare não quer(ia) ser mãe e isso é uma grande duma bosta.
Mas aí essa semana eu tava conversando com uma conhecida minha sobre pais e mães que abandonam emocional ou materialmente filha e filho por serem LGBT, que é a minha realidade (o abandono emocional pelos pais) e a de muitas pessoas que eu conheci na vida. E pior, de pais que expulsam filhos de casa, dizem que preferiam que estivesse morto do que fosse sapatão, viado ou travesti. E conversando sobre isso falamos sobre como é bizarro que um dia vc possa amar alguém e no outro, por uma questão que nao tem absolutamente nada a ver com vc, com seu corpo, com sua vida, vc não ama mais, vc abandona, vc expulsa, vc rejeita.
Falei com ela que foi isso que fez eu virar acadêmica e ativista. Nunca tive crise de consciência por curtir mulheres, nunca questionei se era isso que eu queria pra minha vida, mesmo tendo vindo de uma religião que dizia que eu ia morrer por causa disso. A minha crise e o que sempre me impulsionou nos caminhos que eu sigo hoje é de entender o que diabos mexe tanto na cabeça de alguém que outra pessoa que não tem nada a ver com ela seja lésbica, viado ou trans. Tipo, o que eu faço com meu corpo, com quem eu transo (ou como disse outra amiga em outro papo - de que forma eu gozo): por que isso incomoda tanto pessoas que não vão transar comigo? Pq isso incomoda tanto todo um conjunto muito grande da sociedade, mas especialmente pq isso incomoda tanto uma mãe e um pai a ponto de eles virarem as costas e rejeitarem uma pessoa a quem um dia elas possivelmente amaram tanto e foram tão apaixonadas como eu sou pelo Guilherme? POR QUE e COMO as pessoas abrem mão tão facilmente e por tão pouca coisa (o que eu faço com meu órgão genital) de alguém que algum dia pode ter significado tanto pra elas?
E aí eu me deparei com a notícia de uma mãe que mandou matar o filho de 16 anos porque ele era viado e ela se incomodava com isso. Ela contratou dois caras pra matarem esse boy e incinerarem aquele corpo, pra apagarem a existência desse boy. Eu não quero e nao vou entrar nas questões de quantos anos essa mãe teve quando o pariu, do abandono material que o Estado, a família dela, a sociedade fez com ela. Essas são questões que têm uma enorme relevância, mas que em nada justificam o assassinato de qualquer pessoa, ainda mais por um motivo tão torpe como o que essa pessoa faz com a própria genitália e com o próprio corpo.
Eu acho que nunca vou encontrar um porquê ou um como, mas o que eu queria é que as pessoas refletissem sobre os discursos delas em relação a quem elas amam. Quando vc abandona seu filho emocionalmente vc o isola de você e o deixa mais vulnerável a violências. E sinceramente quem mais perde é você.
Eu espero mto que todas as pessoas que foram abandonadas emocional ou materialmente, rejeitadas e/ou expulsas de seus lares encontrem famílias na multidão lgbt que nós somos. Pq somos incríveis pra caraca, somos uma enorme multidão e não podemos perder de vista que somos uma grande família e, para muitas pessoas, somos a única família.
Entao eu quero que as famílias das pessoas LGBT se liguem pra não reproduzir essas violências (que podem ser simbólicas, emocionais ou físicas), mas quero ainda mais que as pessoas LGBT se liguem do tanto que a gte é incrível, se aproximem da gte, se afastem de famílias sanguíneas que maltratem vcs sem medo de serem felizes (quem sabe esse afastamento não reaproxima tb? sou sempre a favor de segundas, terceiras chances).
E quem se afasta da gente pelo mero fato de estarmos bancando nossa própria felicidade: quem mais perde são elas e eles.
Somos incríveis e resistimos.
Continuemos a brilhar.