quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Racismo e machismo ubíquos, a UFRJ e a UNIRIO

Li há um tempo uma frase em inglês que me deixou pensativa: "racism is ubiquitous". E me deixou pensativa pq eu, que nao sabia o que significava ubiquitous pensei que fosse ambíguo "racismo é ambíguo"- ahn?

Hoje reli o texto para traduzi-lo e colocar aqui no blog (é um texto longo e denso, ainda não terminei) e fui buscar o significado de ubiquitous: ubíquo, onipresente, está em toda parte.

E eu tava no ônibus em Paris com um amigo, a caminho do Louvre, quando o bus parou num ponto e uma mulher branca do lado de fora gritava alguma coisa que eu não sei o que era (não falo francês). Segurando-a haviam quatro caras grandes - um deles com jaqueta "US Race Team" e um outro com um colete tipo de guarda municipal ou segurança de loja. Os quatro homens grandes eram negros. As pessoas que viam estavam assustadas e preocupadas com a mulher que estava sendo segurada- eu, inclusive.

E tenho certeza que a reação das pessoas, de passividade, não seria a mesma se a pessoa que tivesse sendo contida fosse um homem negro por quatro homens brancos. Rapidamente me voltou à cabeça: racismo é ubíquo. E lembrei de uma fala que vi num episódio de um seriado estadunidense "É difícil vir ao mundo no sul dos EUA sendo um rapaz negro e pobre". Daí me prendi nisso e fiquei pensando aonde é que é seria fácil ser um rapaz ou uma moça negra e pobre? Ou pelo menos aonde no mundo que uma pessoa negra e pobre não é alguém sobre quem já repousa suspeita?

No Brasil? Certamente que não.. Nos EUA? ora, por favor, nem sendo rica uma pessoa negra lá é respeitada - vide Beyoncé, cada vez mais enbranquecida pela mídia e não é qq pessoa negra rica é a BEYONCÉ - e a Beyoncé é D-I-V-A. Imagina uma pessoa negra pobre... Na Europa? Não. Na África talvez? Nunca estive lá, mas pelo que já li e ví em documentarios sobre a África do Sul, suponho que o tratamento que pessoas brancas dão a pessoas negras em todo o continente não seja o tratamento que se dá a alguém branco. Restante da Ásia? Oceania? Não sei dizer..

Eu ainda não tive um mínimo de vivência racializada pra saber o que é passar por preconceito racial, pois mesmo saindo do Brasil, nos países em que estive (EUA e França) até agora as pessoas pressupuseram que eu fosse francesa ou estadunidense.. mas se mesmo nessa condição eu consigo perceber que o racismo está em toda parte... imagino a atrocidade que esse mal social deva ser para pessoas que não são brancas.

Acredito que deva ser já sair de casa tendo que provar que você não é alguém suspeito, entrar em lojas, supermercados, qualquer estabelecimento comercial já estando sobre a presunção de que você possa ser desoneste e ser acompanhade por seguranças privados em qualquer corredor que entre. E o que acontece com "todos são inocentes até que se prove o contrário"? Me parece que, para pessoas negras e pobres, todxs são culpadxs até que provem o contrário. Aliás, reproduzindo o que aquela autora disse, nenhuma dessas pessoas é sequer humana, até que comprovem sua humanidade.

O racismo é onipresente, o racismo está em todo lugar.
O racismo é ubíquo.

E o que o machismo tem a ver com isso? Tem a ver que a situação das pessoas que não são homens cisgêneros na sociedade também é da necessidade de comprovação de humanidade. As mulheres cisgêneras e as pessoas trans* em qualquer espaço que frequentem devem primeiro provar que são pessoas humanas capazes e hábeis, depois estarão em pé de competir pelo espaço que já é entregue aos homens pela mera existência. Nos colégios, universidade, no mercado de trabalho, até mesmo andando nas ruas e em outros espaços públicos.
Uma mulher é agredida por um segurança: ok, mas o que ela fez?
Uma mulher é estuprada: sim, mas ela tava andando sozinha na rua, vestindo o que, em que estágio de embriaguez?
Um marido espanca a mulher: mas o que ela fez pra ele reagir assim?
"Esta empresa trata homens e mulheres de forma igualitária" - mas qual o percentual de mulheres em cargos de chefia? 5%. E em cargos subalternos? 70%.. hmm. Coincidência?

A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) na seleção de mestrado do Programa de Pós Graduação em Direito, turma com início em 2014 teve 19 pessoas classificadas após a prova de conhecimento específico. Essas 19 pessoas passariam pela prova de língua estrangeira, que não era classificatória, era eliminatória. Significa dizer que essas 19 pessoas precisavam tirar 7,0 na prova para passarem para a fase final, de entrevista pessoal.
Essa prova de língua estrangeira eliminou 9 pessoas e manteve 10 pessoas. Foram aprovados nove homens e uma mulher. Foram reprovadas 7 mulheres e 2 homens. A banca examinadora era composta por 10 professores da casa, 9 homens (inclusive o coordenador do curso) e 1 mulher.
Coincidência?
E dentre esses 9 homens aprovados na prova de língua estrangeira eu conheço um. Ele foi reprovado na entrevista pessoal. Ele é gay e o pré-projeto dele discutia política LGBT. Ainda é coincidência?

Eu tenho o orgulho de fazer mestrado em Direitos Humanos, Sociedade e Arte na UFRJ - o único programa que subiu na avaliação trienal da Capes que acabou de acontecer. Na comissão de seleção há 8 pessoas, sendo 3 homens e 5 mulheres. A coordenadora do PPGD/UFRJ é uma mulher, o vice um homem. Ainda não terminou a seleção pra turma 2014, eu ingressei em 2013. Na minha turma, 11 mulheres e 9 homens. E eu fui aprovada com um pré-projeto de temática feminista. Fiz estágio docência dando aula de feminismo em 2013.2 na graduação com uma professora e vou manter aulas sobre esse tema em 2014.1 pra outra turma da graduação com a minha orientadora. Continua achando que os números da UNIRIO são coincidência?

Você pode alegar que seja coincidência o quanto quiser, pra mim é claramente uma POLÍTICA DE EXCLUSÃO do PPGD/UNIRIO - ali o feminino não tem lugar, sejam as mulheres, sejam os homens que fujam dos padrões heteronormativos de gênero. Porque para aquela instituição apenas homens cisgêneros heterossexuais (qtos serão não-brancos?) são capazes de produzir conhecimento de excelência. 

A UNIRIO é só um exemplo disso. Um exemplo que chegou a mim por email de uma das moças que foi reprovada na prova de língua estrangeira, mas em qualquer coletivo feminista que eu acompanhe, qualquer curso ou aula que eu participe tem pelo menos uma mulher e/ou um homem meio desesperados dizendo "acho que to entrando em paranoia, vejo machismo em todo lugar". Você não está paranoica/o. O machismo realmente está em todo lugar.

O machismo é ubíquo.
O racismo é ubíquo.

<3 PPGD/UFRJ <3

Um comentário:

  1. Embora concorde com a crítica ao racismo nas universidade e ao machismo, acho importante apontar alguns fatos incorretos do texto, de modo a torná-lo o mais próximo da realidade. O processo de seleção, que ainda não terminou é bom deixar claro, possui duas linhas de pesquisa. Após a prova oral (que veio depois da prova de línguas e provavelmente depois do texto ser escrito), a primeira linha aprovou 8 pessoas, sendo duas mulheres (25% - ambas com as duas melhores notas da seleção); a segunda linha aprovou 4 pessoas, sendo duas mulheres (50% - ambas, também, com as duas melhores notas da seleção).

    Sendo assim, apesar da coerência e importância do texto, não é possível o dado apresentado pela autora estar correto (a saber, de que "Foram aprovados nove homens e uma mulher."). Acho que o texto se precipitou em não esperar o resultado final para criticar o processo, o que não desmerece a crítica. Porém apresentou dados errados, que comprometem a intenção do blog em fazer uma denúncia sensata e coerente com o que de fato ocorreu.

    No mais, parabéns pelo blog e segue o link da fonte do que estou afirmando: http://www2.unirio.br/unirio/ccjp/ppgdpp/news/resultado-prova-oral

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