Este texto foi lido por mim na Mesa Redonda "Trans-Lesbo-Homofobia e os Movimentos LGBT Transnacionais", que aconteceu dia 20/09/2013, último dia de Congresso, último horário de mesas em que se abriria a debates ao Público.
Estavam na mesa: Felipe Bruno Martins (UFSC), Jules Falquet (Universidade Paris Diderot), Luma Nogueira de Andrade (10a Coordenadoria Regional de Desenvolvimento de Educação), Richard Miskolci (UFSCar) e Miriam Pillar Grossi (UFSC, Comissão Organizadora)
Trata-se de uma crítica a alguns aspectos do Congresso - seu formalismo, o academicismo e a reprodução de espaços de exclusão em um evento que contou com 5 mil pessoas inscritas, oriundas em sua maioria do Brasil, mas também da Argentina, Peru, Paris e outros países.
" Bom dia, eu me chamo Heloisa Melino, sou advogada popular, faço Mestrado em Direitos Humanos, Sociedade & Arte na UFRJ, faço parte da construção da Marcha das Vadias do Rio de Janeiro e do Coletivo BeijATO.
O que eu tenho a dizer dialoga com todas as
pessoas da mesa, tanto palestrantes, quanto debatedor e coordenadora. Vou falar
de Nacionalismos, de pessoas Trans*, de Ensino e de Espaços de Exclusão. Desde
já peço desculpas e a paciência de todas e todos, tanto da mesa, quanto do
auditório, pois vou levar um tempo um pouco maior do que o esperado, mas o que
eu tenho a dizer precisa ser dito.
Notei neste congresso, [o Fazendo Gênero 10], a
pouca representação de pessoas que não estão na Academia. Me dei o trabalho de contar
e das 129 pessoas que palestraram nas Mesas Redondas, apenas seis delas não eram
identificadas como vindo de Universidades e Escolas. Isso se reflete, inclusive,
no público do evento – quantas dessas 5 mil pessoas que estamos inscritas não somos
pesquisadoras e pesquisadores? Aonde estão xs ativistas e os movimentos
sociais?
Sou adepta das Teorias Críticas da Escola de
Frankfurt e acredito que precisamos pensar numa Academia que dialogue com a
Prática, justamente para dar base teórica mais consistente às reivindicações. E
também o contrário. Me questiono muito, para que servem Teorias que estejam
deslocadas da prática, deslocadas dos clamores da sociedade civil – organizada ou
não? É preciso que pensemos uma Academia que não seja uma Torre de Marfim, caso
contrário, corremos o risco de criar teorias herméticas e espaços de exclusão.
Também me surpreendeu – e muito negativamente – a execução
do hino nacional na cerimônia de abertura deste Congresso. As pessoas ficaram
de pé, colocaram a mão no peito, cantaram e aplaudiram algo que representa
ORDEM e PROGRESSO. Essa mesma ORDEM que aqui debatemos que PRECISA ser mudada.
E isso em um momento em que, no Brasil inteiro, há reivindicações populares e
pessoas apanhando nas ruas por lutarem pela concretização do “Dever Ser” da Lei
e de nossos Códigos – que é justamente o que temos o privilégio de debater
aqui, neste espaço seguro. E isso sem falar de como é que devem ter recebido a execução do hino nacional as pessoas de outros países, que aqui estão a convite. Gostaria
muito de saber da Comissão de Organização qual foi o motivo para execução do
hino.
Tudo isso me leva a perguntar, estamos nós
transgredindo ou sendo funcionais à Ordem, à Norma e ao Cis-tema? Acho oportuno
falar, inclusive, da pouca presença de pessoas Trans* no evento. Eu até vi
nomes de registro publicados na programação dos Simpósios Temáticos. Felizmente
as coordenadoras dos ST em que estive presente chamaram essas pessoas à apresentação pelo nome que se identificam.
Por que é que nós nos colocamos como produtores do
saber e de conhecimento, quando o que fazemos é beber das fontes de ativistas e
de sujeitos de pesquisa, os verdadeiros protagonistas daquilo sobre o que
pesquisamos e escrevemos? Pessoas que
também não estão entre nós neste Congresso!
Não quero dizer que por não termos determinadas
vivências não tenhamos legitimidade para falar e pesquisar esses assuntos –
TEMOS, PODEMOS e DEVEMOS. Eu mesma pesquiso sobre o Reconhecimento Social das
Identidades de Pessoas Trans* e sou cisgênera. Mas congressos com este tema,[o
feminismo] e desta magnitude não podem reproduzir Espaços de Exclusão. É
preciso que tenhamos posturas políticas e éticas CLARAS – sempre pela
VISIBILIDADE e nunca pela Exclusão.
Se me permitem, trago aqui duas sugestões: A
primeira é de que, nas próximas edições do Fazendo Gênero, convidem também pessoas
ativistas para as mesas e a segunda é de que reserve-se verba para trazer
aquelas e aqueles sobre os quais escrevemos e debatemos, mas que não têm o privilégio
que nós temos, de acesso ao Ensino, tanto ao Superior Especializado, quanto ao
Básico e Fundamental.
Obrigada."
Interessante, inclusive, que o congresso teve na Conferência de Abertura a execução do hino nacional brasileiro e na de Encerramento uma palestra questionando fronteiras, nacionalismo e a própria concepção de família.
A palestra de encerramento proferida por Sara Schulman, o título é "Amigos antes de Família, Sociedade antes de Governo" (a tradução do título é minha e livre, pois acho que mais adequada que a tradução oficial do NIGS).
Pode ser lida aqui: Sara Schulman, "Amigos antes de Família, Sociedade antes de Governo"
.
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