sexta-feira, 2 de março de 2018

STF decidiu pela desjudicialização para alteração de registro de pessoas trans - E agora, como agir?


Saiu ontem uma decisão do STF desjudicializando a retificação de nome e marcador de sexo para pessoas trans. O que significa isso e como proceder?



Significa que agora não é mais necessário entrar com processo judicial para conseguir a alteração do registro, esse procedimento vai ser feito por cartórios. O STF também decidiu pela auto-identificação, o que significa que nesse pedido ao cartório não será preciso apresentar nenhum laudo.

Ótimo, mas e aí, como faz pra alterar?
Quando saem decisões assim do STF essas decisões vão servir para o Brasil inteiro, o que significa que nenhum juiz, nenhum cartório, nenhum promotor do Ministério Público pode se opor a essa decisão. Só que o STF decide direito material, falta agora saber como vão ser os procedimentos para alteração e quem vai dar essa regulamentação do direito vai ser o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como foi na ocasião do reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, onde o CNJ equiparou esse estatuto ao de pessoas de sexo distinto, inclusive com a possibilidade de conversão em casamento.

Essa forma de atuação do CNJ me leva a acreditar que provavelmente o CNJ vai buscar procedimentos já existentes em Lei para regulamentar a nova decisão do STF. De acordo com a Lei de Registros Públicos (LRP, Lei 6.015/73), as Retificações de Registro vão ocorrer por via administrativa quando não demandarem nenhuma prova (Art. 110), que é o mais aproximado da decisão do STF. Pelo entendimento desse artigo basta que a pessoa que quer retificar o registro faça uma petição, que vai ter modelo em cada cartório, e indique a alteração de registro que quer fazer. Sem necessidade de advogada, mas se quiser contratar uma advogada pra esse procedimento também é possível.

Nos casos já previstos nesse artigo, o cartório vai receber essa petição e encaminhar ao Promotor de Justiça de Registros Públicos da Comarca, que vai ter um prazo de até  40 dias para se manifestar. Havendo aquiescência, será feita averbação à margem do respectivo registro. É obrigatório nesses casos que conste menção de alteração na certidão (Art.21), o que não significa que tem que constar o nome “anterior”, basta apenas colocar uma menção, ou seja,  é possível constar a retificação na própria certidão e no campo das observações apenas a expressão “a presente certidão envolve elementos de averbação à margem do termo”.

Quanto custa? De acordo com o §5º do Art.110 esse procedimento de retificação é gratuito.

Onde pode ser feito? No Cartório do registro de nascimento ou no cartório de residência da pessoa interessada – nesse caso demora um pouco mais pra sair a nova certidão porque precisa ter a comunicação entre os cartórios.

A nova certidão sai na hora? Não. Nenhuma certidão sai na hora, tem um prazo que eu não consegui saber porque nenhum cartório me atendeu, mas geralmente varia de acordo com o volume de trabalho dos cartórios.

Assim é como funciona a retificação administrativa hoje.


Na Argentina, até hoje o único país em que se reconhece por lei o direito a auto-identificação de sexo e gênero, esse procedimento é feito em cartório e é muito simples, basta a pessoa interessada fazer o pedido e o cartório altera na hora. O Projeto de Lei 5.002/2013, apelidado de Lei João W. Nery, dispõe a esse respeito também que ninguém pode indagar sobre a veracidade da afirmação da pessoa que requer a alteração de registro. 

Se o CNJ entender pelo direito comparado ao da Argentina ou buscar nesse Projeto de Lei construído por pessoas trans, o CNJ pode retirar essa formalidade de envio ao Ministério Público do Art. 110 da LRP e ordenar que os Cartórios registrem a retificação apenas com a entrega da petição pela pessoa interessada – isso é o que mais faz sentido, já que a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275 é pela desjudicialização e ademais, quem melhor que vc mesma pra saber o que é melhor pra vc? Então não faz muito sentido enviar para o MP, embora a retificação administrativa atualmente requeira isso para os casos previstos em lei.

De toda maneira a gente ainda tem que esperar o CNJ se manifestar pra saber direitinho como vai ser essa retificação de registro. O prazo pra isso pode ser de até 120 dias (vamos torcer para que seja antes). Até lá, você que tá na expecativa de fazer a alteração pode chamar a galera pra comemorar, lembrando sempre de agradecer às pessoas mais velhas que você que tão nessa luta há décadas =)